segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Satã
#30
há numa andorinha todo o amor que nos faz saber ser. r.i.t.a.
Olhar as estrelas antes de dormir é não dormir. Pode
-se lá adormecer depois de testemunhar um céu tão pequeno
um universo tão diminuto. Se os nossos olhos conseguem
abarcar num relance, astros que se diz estarem a biliões
e biliões de quilómetros a arder, então é porque somos grandes
, imensos, muito maiores ou impensáveis que o próprio cosmo.
Há quem se sinta mínimo quando olha o céu… que engano!
Como se pode ser ínfimo e só com um sentido abarcar Sóis
de tantos planos e magnitudes. Esta é a tristeza humana
: ser muito maior e cósmico do que a mente é capaz. Das
trevas o Homem fez nascer a luz do Sol. Inventou o seu tormento.
Frederico Mira George
sábado, 30 de outubro de 2010
Satã
#29
Se a solidão não existisse os dias de chuva não teriam sentido.
Nem o avançar das hastes do relógio, naquele batimento
sincopado e indomável. Se a solidão não existisse,
os relógios,
não teriam razão e as horas não teriam lugar no mundo.
Mas a solidão existe e porque existe existem as lágrimas
e o pensamento saudoso dos dias quentes de céu limpo em
que tudo parece eterno e cheio de confiança.
Benditas as horas de solidão que nos dão relógios e trovoadas
e nos fazem chorar no silêncio aprendiz dos dias.
Benditas as chuvas e os pensamentos finais. Sem eles,
que faríamos às palavras doces que guardamos no cofre da alvura?
Frederico Mira George
domingo, 12 de setembro de 2010
Satã
#28
Os que sabem compor os movimentos das mãos
sobre esse enfeitiçado teclado de acordes,
e dar-lhes sequência e perfeição, não são músicos,
são sedutores, felizes. Sem saberem que são magos
,que são felizes. Os mestres de ilusionismo
nunca estão cônscios da sageza que carregam, muito
menos da felicidade de que padecem. Por isso, a felicidade
deles é eterna, limpa e violenta.
Só os não-escolhidos, os não-aventurados, divisam a imensidão
e a grandeza desses brilhantes fascinadores e, sabendo que nunca o
poderei ser, choro em louvor de graças, antiquíssimo tambor.
Frederico Mira George
sábado, 11 de setembro de 2010
Satã
#27
Uma cavada dormência.
Ossos a abrir. Eis a noite larga e sem lume.
Na casa, pairam terrores e afiguradas flores
sobre mesas de chá. Flores e chá. Tão pouco
para uma paz continuada. E ainda assim:
os espectros. Pelas veias das mãos gritam amores
que o vento corta na aragem musical das janelas.
À noite, quantos desenhos e livros e cigarros,
quantas formas distintas de entreter cronos ficarão
registadas no espaço? Quem é o espaço? Quem anota a dor?
Frederico Mira George
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Satã
#26
Ela já não se consegue lembrar,
sabe apenas que dantes habitava um outro lugar
onde tudo era vítreo, lúcido e transparente. Hoje
nem sabe como nasceu nem porque ainda carrega uma candeia
apagada pela fadiga – essa onde no princípio dos tempos
trouxe a chama sobrenatural – simplesmente,
habitando no hiato de uma frágua, contempla
as sandálias: recordação última da Terra dos Juncos.
Frederico Mira George
domingo, 5 de setembro de 2010
Satã
#25
Uns minutos antes de entorpecer os sentidos – nos dias
em que adormeço – por bendição ou indulgência,
tenho um último entendimento: a visão clara e
irrepreensível da Aurora que se achega. Nas
noites em que adormeço, a minha derradeira visão em vigília
é a Estrela d’Alva, e assim durmo, confiando na morte,
como se nada me pudesse abalroar o físico ou cruciar a mente.
Ter, momentos antes do sonho, a visão da Estrela da Manhã, é
como se, na cama, me alasse ao céu mais remoto, e
o colchão, as almofadas, os cobertores, tudo pertencesse à
amalgama de brilhantes siderais com que o meu ser é consumado.
Frederico Mira George
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
Satã
#24
São sublimes os clamores das aves: afilados e formais.
Como ser exíguo e desigual, sinto-me elevado
e arvoro até às sinuosidades do
espaço-céu, que também me pertence, e sinto uma extremidade
de alegria a arranhar-me a respiração, a desentorpecer-me os
músculos oculares. Vejo tudo, tudo o que os pássaros e as suas cores
conseguem entrevir. Vejo por imaginar, e ver por imaginar
é ver com a realidade máxima que têm no coração todos os filósofos,
todos os poetas que não sabem que são poetas, que são
filósofos. A manhã inicia-se magnetizada pelos hinos canoros.
Frederico Mira George
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Satã
#23
À noite, as vozes. Entram pela janela, alagam
o ar, misturam-se com os sonhos, entram em
partes de nós. À noite, os corpos. Dilatam nos lençóis
, estamos presos: as paredes, circundando
o sono e os exíguos cursos da respiração.
Não sabemos quem nos presencia, quem espiamos.
Sabemos que é noite e isso basta. Basta para sentir terror.
O medo infindo de acordar. Da janela vem tudo. Pela janela
, fogos-fátuos a colar-nos os dedos, a paralisar os gestos
já quase poucos das mãos que foram intactas… As vozes:
longuíssimas línguas espalhando verbos, o divino sopro.
À noite… a centelha mais ténue é ameaçada.
Frederico Mira George
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Satã
#22
Como serão as criaturas que suplicam aos anjos?
E se os anjos descansam em algum lugar, como podem eles
escutar (e acudir), tantas súplicas, tantos rostos?
Ser anjo é já não ter de escutar a substância rude de cada ente
e cada substância rude nunca os contrafazer. Ser anjo é já não ter de voltar.
É a duração sem tempo, o clarão perpétuo, a companhia delicada do
mosteiro de organismos sem pulcros nem desengraçados, nem benignos
nem brutais. Nem homens nem humanos. Ora, mesmo sendo isto
coisa que todos deviam concluir, há criaturas que apelam aos anjos
na tentativa pueril de serem contemplados com atenção das Asas Deles.
Sei como são os anjos, mas como será a face do vivente que sabendo
da impossibilidade, conduz as orações àqueles que voam acima dos céus?
Frederico Mira George
domingo, 29 de agosto de 2010
Satã - 2ª Parte «DEMON EST DEUS INVERSE»
#21
Temos dia e escuridões, auroras
«quartos-crescentes». Usamos telescópios. E tudo
, tudo porque a Terra germinou perto de uma estrela.
Não fosse essa estrela e a Terra não teria almas
extraviadas, nem terrenos férteis, nem mesmo
mulheres e homens enlaçados em cordas.
Em consequência do Sol, aqui estamos: os dependurados.
Sem se notar, o planeta roda, oculta faces, e há
até gente no mundo que sabe dar nomes e baptizar os momentos
de cada revolução. No céu, se é dia, a fulgência rigorosa
queima a pele dos que desfolhados se expõem ao que está no alto.
Se é noite, é a alvura da película humana que se distingue caso
encontre uma seta de lua reflectindo desejos.
Temos dia e lua.
O Sol arde mesmo na incerteza mais profunda.
Frederico Mira George
sábado, 28 de agosto de 2010
Satã
#20
Se Deus quisesse que os seres que não têm asas
voassem, Deus teria desenhado alas para os seres que
não as têm. E
, se foi Deus que criou os seres com asas e os seres que não,
jamais desprezaria nos Seus rascunhos de presentear ansas aos que
não as têm, fosse essa a Sua paixão
. Deus quis que uns seres adejassem e outros não.
Deus quis que os entes na Terra fossem desiguais
, nos corpos e nos poderes. Por isso, os engenhos de voo que os
inteligentes criaram para chegar ao céu sem corpo para isso,
são formas obscuras, subtis, de contrariar Deus e os seus desenhos.
Obstruir os desejos do Arquitecto, mesmo que por habilidade e génio,
não significa aproximar a existência terrena da altura divina.
Simplesmente, ao cancelar o critério da criação, os seres de maquinismo
morrem para Deus e afastam-se do que é natural e dourado de proporção.
Do Alto, apenas alados cavaleiros de espada deveriam contemplar.
Frederico Mira George
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
Satã
#19
Os humanos
caminham porque desejam divisar algo
que esteja fora da sua humanidade para se
encontrarem com o que de clemente lhes haja dentro.
Enganam-se em tudo. Nas marchas; nos intentos; na esperança.
Caminhar para encarar luz dentro do corpo
, e é dentro do corpo que está o que mora dentro da mente,
é não caminhar. É nem perceber que inventar é já ter
inventado e no fora nada é diferente do que é dentro.
Os humanos
estão enganados e no seu engano reside
todo o tormento dos séculos e
pelos séculos dos séculos assim porfiará:
Não contentes por perceber que nem o caminho existe
nem a teimosia se justifica, nem há nada para encontrar
, os humanos marcharão.
Frederico Mira George
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Satã
#18
Quando neva nos países onde neva,
chora-se pela falta do calor como um adulto chora
ao ser ralhado por ser como é e por lacrimar como se lacrimeja
quando neva nos países onde neva e se implora ardor.
Chorar quando neva é como chorar sem lágrimas.
É um frio rendo, cortante, escorrendo pelos gomos.
A neve foi feita (se é que foi feita) para dar beleza
às pinturas de Nikolai Konstantinovich Roerich.
Ou para dar fundos às fotografias de Ansel Adams, quando Adams
fotografava paisagens sem as ver mas sentindo
-as como se fosse o criador de toda a essência. Chorar
quando neva, é não saber deixar os joelhos tombar
num chão de perpétua folhagem e morrer sem saber
para tudo o que é alvo, triste e último.
Frederico Mira George
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Satã
#17
Não há triunfo nem derrota nem nada que
traga rendidos e vencedores, há é o vício
de considerar que se venceu ou se foi vencido.
Uma árvore não pensa que conquistou a terra
ou se perdeu uma folha. A árvore conquista
a terra e perde folhas. Isto além do sucesso e do fracasso
. O triunfo e a derrota são vícios humanos,
estéreis e doentes. Se,
num rasgo de lucidez, o Homem descortinasse
como a um penedo é neutral a conquista
do húmus que lhe cobre a pele e como não fica
triste, nem contente, nem alegre, nem feliz,
caso o enverdecimento da sua tez não aconteça,
a Humanidade seria calma e rendida à naturalidade ancestral
de todas as coisas que existiram, existem e existirão.
Frederico Mira George
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Satã
#16
Creio nas aparições e no nevoeiro,
nas estradas curvas junto dos outeiros.
Creio num mar ao longe que não se vê,
na encruzilhada em forma de escada.
Creio na serra, nos altos, até nas espadas.
Creio na eternidade ligeira de uma escarpa,
e nas árvores que nascem inclinadas.
Creio que tudo tem asas e que o sol não esconde nada.
Creio no regresso das montanhas ao
precipício feliz do amor verdadeiro.
Frederico Mira George
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Satã
#15
Se me falam de reis e das suas gestas;
da pátria e dos brasões que a reconhecem
, fico imóvel como um mocho observando o infindo.
Fico hirto, porque sobre reis e pátrias não há nada.
Nada que no meu coração e corpo mereça movimento.
Os mochos, quando fitam o além, fitam o além
para terem repouso daquilo que os tira do essencial.
Os reis e a pátria são um enfado e significam o peso
de me saber nascido numa colónia do mundo, onde tudo
o que advém é acaso e ocaso, e o que não acontece
é um desperdiçado caos dourado que
numa orbe frátria seria pedra cúbica.
Frederico Mira George
sábado, 21 de agosto de 2010
Satã
#14
Como génios invocados por aqueles
que invocam almas, invoco as manhãs
e assim eles se sentam à minha esquerda
, absorvem o meu dia, planeiam o tempo que me resta.
As manhãs, como as almas invocadas, são
frias e entorpecidas, e falam aos olhos
numa espécie de esperanto do cosmo
, das luas muitíssimas, dos anjos adormecidos.
Como manhãs invocadas, invoco alentos
e deixo-os sentar à minha direita, levando-me.
Frederico Mira George
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Satã
# 13
70º Aniversário do Assassinato
de Leon Trotsky
Olhar as estrelas e ver constelações
e grupos astrológicos de sóis
e poeiras em forma de cometa
e outras alucinações, é tão bruto
e cego que nem as palavras reconhecem letras
para justificar tanta lucidez. Não há nada
nem no Céu nem na Terra que o homem possa ver
olhando as estrelas que não seja olhar as estrelas.
E só por isso tudo deveria ser perfeito e justo e nada
...........seria preciso inventar para além de ser capaz de ver
e no escuro obedecer ao espanto inexplicável de o poder fazer.
Frederico Mira George
Satã
#12
Como quem faz que é atento, não sendo atento, ouço
com dor as notícias do mundo: Lisboa, Paris
, Roma, São Petersburgo, Guernica… cidades visíveis que as criaturas
invadem e que o criador abandonou. Morre em mim
a felicidade de desejar reconhecer o mundo. Mesmo
que
num navio a vapor pelo oceano oculto das novas
descobertas. São novos estes adamastores e tantas as
tormentas. Basta-me este quarto e a janela para a rua.
Contorno em mim o Cabo ferido de uma Boa-Esperança.
Frederico Mira George
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Satã
#11
Como não há Sol nos meus olhos
, procuro na névoa branca que os cobre
um máximo de luz que me permita ler.
Lendo, os meus olhos ficam tão claros
que mesmo aqueles que me julgam de olhar
sépia, vêem em mim azul nascente a fitá-los.
Mas, o que eu leio, não são livros ou jornais,
nem tão pouco versos ou linhas amorosas.
Frente aos meus olhos desfilam caracteres que
nem os deuses sabem ordenar. Por isso o meu olhar
brilha e brilhante é a luz que vejo espelhar.
Frederico Mira George
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Satã
#10
Se estivesse doente sentiria o meu corpo a sentir-se doente.
Como não estou doente, há em mim uma dormência
, um desfazer de impressões que me torna
uma laje viva mas sem poder cheirar ou ouvir
, sem poder saborear ou tactear e muito menos ver.
Quando se está doente e a febre sobe,
assim como quem está ao Sol na praia e se deixa trespassar pela luz
, as sensações do corpo são belas e amantes.
Estar doente é saber a vida pelos dedos.
Frederico Mira George
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Satã
#9
A infelicidade não é uma coisa abstracta. Escrevo
e enquanto imprimo olho a fotografia de Gorki na
parede frente à secretária. Se a infelicidade
fosse uma abstracção, eu diria – observando o rosto na fotografia – que
Gorki foi infeliz. Mas Gorki não foi infeliz porque viveu
no metafísico escorrer dos dias e morreu sabendo que
cada linha da sua «Mãe» seria lida pelos filhos. Nós,
os filhos de Gorki. No concreto, prova-se pelo rosto na fotografia,
que Gorki foi um «não-feliz». Mas, a infelicidade concreta, essa,
ficou reservada aos filhos.
Frederico Mira George
domingo, 15 de agosto de 2010
Satã

#8
Praia das Maçãs
Os meus poemas são curvas no pensamento.
São ramais de tudo o que sou e
negam com toda a realidade a força do que pareço.
Os meus poemas são o húmus das coisas feias
e frágeis que habitam a natureza –, E digo isto porque
os meus poemas nunca são naturais. São
extensões de uma feridade que me subjuga a pele como
uma febre fúnebre poderia toldar os sentidos subtis dos olhos.
O meu pensamento é a linha paralela dos meus poemas.
Frederico Mira George
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Satã
#7
Praia das Maçãs
Se envés de poeta fosse poema haveria no centro
das minhas mãos uma espécie de círculo
, uma marca oculta de espantos e lentes convexas.
Mas eu não sou poema. Nada em mim é poema.
Sou o que as pessoas vêem: o poeta, o que não sendo
poema junta linhas paralelas de promessas
para depois as ouvir como quem ouve o som do mar
no ilusionismo de um búzio.
Frederico Mira George
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Satã
#6
Praia das MaçãsNão posso chamar sonhos aos meus sonhos
pois tudo o que da minha mente transborda durante
o sono não é melhor nem maior do que aquilo
que da minha mente extravasa nos momentos aflitos
e mortificados
da vigília.
Os meus sonhos são o espelho horizontal da eterna angústia.
Êxtases de quem acorda sem saber que acorda nem o que é acordar.
Frederico Mira George
domingo, 8 de agosto de 2010
Satã

Desenho de João Lemos
#5
Se ouço a música das coisas naturais
é porque há em mim a engenharia dos homens
e as arquitecturas da mente.
A natureza não seria possível
se o homem não fosse possível
e sendo possível, o homem projecta
, desenha, edifica;: a visão das estrelas
,os sons graves do mar e o silêncio das rochas.
O som natural que eu oiço, quando
ao domingo a cidade pára e tudo é musical
e silencioso, são pontes rigorosas, engenhos
arquitectónicos de mentes humanas.
Frederico Mira George
sábado, 7 de agosto de 2010
Satã

#4
Quando incendeio o tabaco na fornalha do cachimbo
, o fumo, o fogo, o calor;
elevam-me a um céu de coisas inocentes e brancas
que retiram de mim toda a morte do corpo
e me fazem pensar na beleza extrema do pensamento que
não é pensamento mas a que chamamos pensamento
porque pensar é a única forma de não pensar.
Na fornalha do meu cachimbo mora toda a paz dos
profetas, toda a dor dos poemas; e eu sinto-te livre
como o anjo que cai para trazer a luz que cega.
Frederico Mira George
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Satã

#3
Aquilo que eu vejo da minha janela
não é belo, nem fresco, nem solar.
Tudo aquilo que eu posso ver da minha janela
é quotidiano, e transeunte, e efémero.
É tão profundamente efémero
,que,
a eternidade
,daquilo que eu vejo da minha janela,
me dá a sensação plena de ser eu para sempre e
,depois de morrer, não ter de voltar.
Frederico Mira George
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
domingo, 1 de agosto de 2010
Satã

#2
Sinto a passagem dos dias como quem sente
a passagem do sangue pelas veias
quando o sangue passa pelas veias.
Há horas em que a tensão baixa e baixa tanto
que o coração bate deslocado no peito.
Mas, porque sinto os dias como quem sente
a passagem do sangue pelas veias
, os meus dias fluem e cavam sulcos
, abrem afluentes no meu pensamento,
ainda que não tenha pensamento.
Os meus dias são linhas de sangue.
Frederico Mira George
sábado, 31 de julho de 2010
Satã

Dizem que os meus poemas são tristes.
Mas os meus poemas não são tristes.
Os meus poemas trazem dentro
toda
a alegria da Terra
.........,e dos altos-astros
.........,e das pequenas poeiras que andam a crescer
..........fazendo-se estrelas no espaço-vácuo do Universo.
Não são os meus poemas que são tristes.
Nem sequer há tristeza que possa ser contada num poema.
O que há, e isso eu tenho a certeza que há,
é um abismo de desespero em quem os lê.
Frederico Mira George
domingo, 25 de abril de 2010
Abril começa hoje!
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Corvo

sábado, 3 de abril de 2010
Corvo

quinta-feira, 1 de abril de 2010
Corvo
# 25
Duas cortinas azuis esboçam um
movimento
ligeiro, imperceptível.
Durante meses via-se pela janela
o correr ruidoso do Inverno.
Agora, deitado na cama, ele
repara de soslaio
no começo violento da Primavera.
O que desejam, flores, serem amantes
delicadas dos dias mais longos?
# 26
Serão verdadeiramente necessárias
tantas lágrimas? Serão verdad
iramente necessários tantos riscos
? Não estaremos
já
suficientemente gastos para morrer
tantas
, tantas,
vezes?
quinta-feira, 18 de março de 2010
Corvo
quarta-feira, 17 de março de 2010
Corvo
# 23
Pequena sombra de tempo
, coberta com uma manta de chuva,
porque me furtas a noite
e
me envolves a cabeça
com um turbante de memórias?
Coroada de rainha
, não podes
tu
devolver o odor fresco dos morangos?
terça-feira, 16 de março de 2010
Corvo
# 21
Quantos oceanos, correntes aladas
do passado
, invadindo praias
. É triste que os dentes
se cerrem às marés. Mas
pior seria
se os pés deixassem de sentir
o calor brando da areia.
# 22
Mesmo enquanto caminhamos
sob um sol compassivo,
estamos inclinados para a morte.
Não é que a vida
hostil à caminhada
, simplesmente negamos a aventura
e, suspenso, o corpo afunda-se na Terra.
domingo, 14 de março de 2010
Corvo
# 20
A terra devassada que flui
faz o corvo pousar as asas.
Recorda-te!
Tudo é rápido na indiferença.
Como monge desse convento de estrelas
podes ao menos partir
em
penitência?
sábado, 13 de março de 2010
Corvo
# 19
Fizemos tudo para lhe esconder
o
rosto. Fizemos a memória recuar
ao primeiro vocábulo da humani
da
de.
Os anjos são agora a única testemunha.
Um dia proferimos a
palavra
amor!
sábado, 6 de março de 2010
Corvo
# 18
É a paisagem soando a tiros,
o entardecer do momento
em que a Primavera amadurece.
Retrato súbito onde o nosso rosto
aparece
como
um fantasma assustado na
direcção
de uma outra vida.
Corvo
# 17
Uma romã púrpura entre arbustos
que um céu perfeito, alinhado
, recebe vigoroso. E atento. Para sempre.
Tudo exalta a vida do futuro
que será igual à de outrora:
o redondo descanso da flor redonda.
Corvo
# 16
Eis-nos diante de um fogo extinto.
O tempo não levou a
, dentro das nossas mãos, nascer
como crianças
um tesouro.
Os nossos olhos estão postos em altares
onde antiquíssimos frutos eram
dados sorrindo,
como crísticas oferendas.
quinta-feira, 4 de março de 2010
Corvo
# 15
É triste que os olhos se abram
depois
do sono. Nesse tempo de paz
é brilhante
um encanto feroz
, um desejo secreto e sublime.
quarta-feira, 3 de março de 2010
terça-feira, 2 de março de 2010
Corvo
# 13
Como nos desenhos dos teus ramos
existe tudo o que nos resta
, assim na terra
há caminhos distraídos
e um deus pequeno
ancorado a uma pedra.
segunda-feira, 1 de março de 2010
domingo, 28 de fevereiro de 2010
O Corvo
# 11
Recebeu as oferendas
com um longo e terno abraço.
Duas rochas javanesas.
Nessa noite adormeceu
segurando-as entre
os dedos. Sonhos bizarros
o assaltaram.
Ao acordar ainda sentia
o calor espesso
do abraço.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010
Rosas
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Walden
«Não falaria tanto de mim mesmo se houvesse outra pessoa que eu conhecesse tão bem»
H. D. Thoreau
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Corvo
# 4
O corvo observou. Sentiu-se
sereno por ser mal
dito. Voava! Na
cidade
os que caminhavam em afazeres
i
nadiáveis, seriam
capazes de o matar com olhares
, mas seria ele, negro-solitário, o
que depois da última respiração
tinha tentado ver
além das próprias asas.
# 5
Sentado no café enquanto
o dono lavava o chão ladrilhado de
azul e vermelho
, H pensou em escrever um poema.
Desenhou caracteres no papel
como um mecânico
ajusta a direcção de um automóvel.
Terminou 20
minutos
depois.
Nada do que tinha escrito parecia dele.
Como o carro onde o mecânico opera não é dele.
Saiu e guiou o «seu» poema.
Pela primeira vez sentiu
as faces do rosto corar de orgulho e
coragem. O automóvel… o seu
gigante
poema.
# 6
Um rei e uma rainha,
exaustos de dormir
em tantos
diversos
quartos Reais, de
tantos
diversos
palácios Reais
: sentaram-se, por fim,
observando abelhas à espera do vento.
# 7
Manuel Teixeira Gomes
Curvou-se perante
................a
estátua do poema.
Os pescadores rumavam a Ocidente.
Ajoelhado depôs flores
: Portimão.
# 8
À frente, lá
estava
o muro. Era ali que tinham
morrido os voos, o vento
; ali tinha parado a respiração.
Sentia que tinha de nascer
e nascer, nasceu, por fim,
um ovo.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Corvo
#3
Ulisses – o gato.
Preto
, branco. Quase azul, quase alto,
dorme
aos pés da cama de L. E
e um lago de mármore onde
, entronado, buda está sentado.
L
e o
gato
vêem estrelas no telhado. Movem-se
cansados
, como no céu os supremos astros.
Corvo
#2
O monge-cego veste-se.
[enquanto] Peixes voadores
bebem na fonte do claustro, o
monge procura dentro de si
: alfinetes
; botões
; asas-de-anjo para o colarinho.
Já na igreja – o templo efémero –
1 sinfonia de luzes espera-O. Ele,
cego, entrega-se ao concerto das velas.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Lhasa de Sela deixou-nos aos 37 anos
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Corvo #1
#1
d’Inverno, os corvos.
O homem caminha sob a chuva
ouve os Corvos – o Inverno e
desliza na alvura da Neve
imaginada onde
,onde pegadas de sombras
a-rriscam voos oblíquos.
Corvos e homem sentem [finalmente]
o Inverno dentro da pele.
Não há morte – Não há noite
: só neve, luz intensa, céu intenso.
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