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sábado, 8 de março de 2008

o caderno feliz #5

#5 as noites eram o meu espaço de felicidade mas há duas semanas que um intruso penetra nas minhas propriedades oníricas revolvendo os meus sonhos a maneira certeira e lúcida com que ele o faz leva-me a crer que seja um menino morto por nunca ter adormecido a tempo de o ver ele escapa-se e sabe o que faz percebo que só quer apoderar-se dos meus sonhos tem com certeza tudo planeado e por qualquer razão desconhecida escolheu-me a mim como vítima e que posso eu fazer se é um anjo caído/

o caderno feliz #4

#4 há dias em que acontecem inexplicáveis surpresas como ontem ao principio da noite homens puseram enxofre a queimar nestes casos os gatos fogem abençoando o espaço com gritos interiores é que um gato reconhece sempre uma invocação do diabo e talvez nem se trate de uma fuga mas de uma retirada como um soldado que se atrasa no xadrez da guerra preparando-se para um combate mais feroz/

SOS Voz Amiga

Texto escrito por solicitação do SOS Voz Amiga a palavra certa frederico mira george para o fernando eis dois homens na noite da rádio um de palavras serenas suicidas e certas algures na cidade outro de palavras sedutoras curtas e certas o homem do outro lado do estúdio está confiante irredutível o homem na telefonia-sem-fios está lúcido mas com medo há quantos anos a sua vida é feita de ler vozes trinta talvez sabe que o outro homem não brinca vai matar-se e quer fazer o espectáculo da sua morte quer fazer da sua morte ao menos um minuto de glória para o homem da rádio basta-lhe um tom uma ténue vibração de voz para saber o passo seguinte é nisso que confia a determinação do homem ao telefone é verdadeira e quase impossível de vencer na régie chamam a polícia quinze minutos é o que precisam o homem da telefonia tem de ter a palavra certa para o manter no ar o homem para lá do estúdio eis um duelo de dois grandes guerreiros no xadrez da amada rádio dos sons e silêncios deles depende a morte de um ou a frustração culpada do outro não pode haver erros de parte a parte para o homem suicida nada o pode seduzir para o homem ao microfone cada palavra tem de seduzir quem os escuta no éter nem se apercebe quão gigantes estes homens são a polícia leva mais tempo que o previsto o suor cai sobre o rosto de ambos os guerreiros as palavras de passe continuam são elas que dão acesso ao nível superior do xadrez estão os dois prestes a rebentar as palavras tornam-se finais os silêncios aumentam a estação da rádio está feita uma esquadra de polícia o homem da rádio diz a primeira palavra errada o gigante do outro lado assusta-se mas não foge a polícia encontra o local perto dali afinal o éter era mais pequeno do que se imaginava talvez seja por pouco e foi pelo microfone ouvimos agora o repórter que descreve um quarto entrincheirado e preparado para a explosão de pontas de gás o telefone cai o repórter silencia-se no estúdio o homem da telefonia deita-se no chão exausto uma ideia atormenta-o não lhe sai da ideia a traição que talvez tenha feito ao homem do telefone a sedução da sua voz cativou o suicida puxou-o para a amada rádio terá isso sido legítimo terá ele salvo este homem da morte ou tê-lo-á condenado à vida eterna/

PAX


Pintura de Tânia Calinas
Acrílico sobre platex